"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

OS DEMÔNIOS E OS HIPÓCRITAS


Acompanhando os programas esportivos não pude deixar de analisar as opiniões sobre os acontecimentos gravíssimos entre a torcida do Atlético e do Vasco. A unanimidade por parte da imprensa a favor da punição das torcidas não me causou espanto porque há anos é uma situação recorrente. Embora esteja na lei não aceito que uma instituição seja penalizada pelos atos de alguns membros, porque você acaba punindo, diretamente, aqueles que não participaram do conflito. Mas a minha indignação não se resume apenas a forma pela qual a lei desportiva é aplicada e sim na falta de uma análise mais crítica sobre os problemas da violência, dentro e fora de campo, e a hipocrisia com que o assunto é tratado.
Os problemas envolvendo torcidas organizadas são recorrentes porque falta vontade política para criar mecanismos que atenda os regimentos do estatuto do torcedor, no que tange a prevenção e repressão contra aqueles que praticam atos de violência. Mas, no meu ponto de vista, esses mecanismos serão possíveis se os agentes ligados ao futebol tratarem o assunto com isenção e responsabilidade, sem fisiologismo político e interesse clubístico.
Os fatos ocorridos em Joinvile já dão provas que esses mecanismos não serão criados, porque o que se viu tanto da parte dos governantes, segurança pública, mídia e comandantes de entidades foi um festival esquivos e discursos hipócritas com o intuito de satisfazer a opinião pública e a linha política editorial dos donos dos meios de comunicação.
O que eu vi foi o recorrente discurso da demonização das organizadas e dos cartolas, como fazem com a classe política, com o intuito de despolitizar a discussão e a conseqüente não formação de um senso crítico sobre o que há nas entranhas dessas entidades. A meu ver a estratégia é desviar o foco do real problema com o objetivo de escamotear contratos de transmissão, acordos políticos escusos, verbas de propaganda e fisiologismo político de donos de emissoras com patrocinadores e entidade representativas dos clubes.
Para não ser evasivo e nem leviano, sito como exemplo a transmissão da sportv, na qual o narrador falava que a culpa do episódio da briga era da torcida do Atlético ao invadir a área neutra, e para reforçar essa idéia as cenas de selvageria eram mostradas em plano fechado, para que o telespectador não tivesse o devido senso crítico para tirar suas conclusões.
Depois que o jogo terminou e todos os torcedores e dirigentes estavam na vala comum, adotou-se a postura de equilíbrio e tudo foi dividido entre os vândalos das duas torcidas. O que me deixou indignado foi ver nas redes sociais vídeos que provam que foi a torcida do Vasco que primeiro ultrapassou o espaço destinado a ela e em seguida a do Atlético, mas essas imagens não foram mostradas pelas emissoras. Tal omissão me enche de indagações e uma delas é a da emissora proteger seus interesses políticos e financeiros?
Não é nenhum absurdo imaginar que é praticamente impossível que as torcidas tomassem a iniciativa do confronto simultaneamente, provando, em parte, que não há lógica no que as emissoras insistem em nos informar.  Logicamente o fato de uma tomar a iniciativa do confronto não isenta a outra, mas nos dá indícios de que há por parte de quem se posiciona um inequívoco interesse que os fatos não sejam apurados na sua plenitude.
Se for por causa da linha editorial da emissora ou por interesses administrativos e financeiros, fica difícil de afirmar, mas pelo menos prova que há algo nas entranhas dessas redes que impede que formemos nosso senso crítico e, consequentemente, as soluções para banir a violência dos estádios.
Mas não podemos analisar essa questão apenas pelo ângulo das torcidas e dos agentes envolvidos, porque esses conflitos são provenientes de fatores externos ao futebol - como no caso da violência dentro das escolas -, devido a uma série de razões que vai desde a miséria a falta de perspectivas para o jovem.
Não vou aqui analisar esses fatores, apenas colocá-los para que possamos indicar que a violência é um fenômeno social e que cabe ao Estado, como agente principal, a maior responsabilidade, no caso, de intervir para a resolução desses conflitos.
Outro aspecto importante é a democratização dos meios de comunicação para que haja eqüidade na informação, objetivando aprimorar a análise crítica sobre os problemas que envolvem o futebol. Não é possível que apenas uma rede de televisão seja a única a transmitir esses eventos, fato este que impõe ao torcedor obrigatoriedade de aceitar uma única linha editorial, além de impedir que ele tenha opções conforme seu interesse clubístico.
Para não me alongar reafirmo minha posição de que demonizar torcidas organizadas e cartolas só interessam àqueles que fazem do futebol um meio para que o atual status quo permaneça pela distorção e desinformação dos fatos, utilizando-se da estratégia de lançar na vala comum todos aqueles que há décadas receberam o título de demônios do futebol brasileiro pela hipocrisia das redes de comunicação desse país.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

OS REPLICANTES

Vejo nas redes sociais uma divisão entre os que se preocupam com a saúde de Genoíno e aqueles que não admitem que ele seja tratado com dignidade e respeito, por conta da condenação pelo STF. Logicamente para quem não tem o devido senso crítico, basta comparar a situação privilegiada do réu na sociedade com a maioria daqueles que mínguam em hospitais públicos. Essa comparação, tempos atrás, foi feita quando Lula adoeceu e foi alvo de uma onda de indignação que o desafiava a fazer o tratamento do seu câncer pelo SUS, como ocorre com a maioria dos brasileiros pobres nas mesmas condições.
Em seu aspecto mais radical seria a mesma coisa que aceitássemos, indiscriminadamente, o pior sistema de saúde para todos. Logicamente isso é uma questão abstrata, porque essas pessoas que desejam tal proposição ao Genoíno são as mesmas que criticam as políticas sociais do governo para os pobres e não sabem – ou não respeitam – que o pior dos bandidos, enquanto, preso, fica sob a tutela do Estado. Na verdade o que há nessas pessoas é um distanciamento das verdadeiras razões dos problemas que enfrentamos, por conta de uma ideologia imposta pelas elites desde os tempos em que nada era discutido.
Se analisarmos a fundo essa questão chegaremos à conclusão que somos traídos por nossa memória e que escândalos nesse país são recorrentes desde os tempos do nosso descobrimento. Sendo mais específico, posso lembrá-los da privataria tucana, do mensalão mineiro e recentemente do metrô de São Paulo, todos ligados ao PSDB e que não sofrem nenhum tipo de indignação por aqueles que atacam os “mensaleiros” do PT.
Parece-me o que está em jogo não é a questão moral dos atos em si e sim o estigma forjado pelas nossas raízes históricas, representadas pela grande mídia, pela magistratura e por boa parte das classes conservadoras. Assim, quando falamos em direitos humanos, em políticas públicas voltadas aos pobres e, no caso, na saúde de Genoíno, somos impedidos pelo status quo de avançarmos como sociedade, porque nos acostumamos com a regulamentação da elite que sempre nos disse o que pensar e como (não) agir.
Talvez alguém possa me questionar que eu também esteja regulamentado pela visão intelectual daqueles que defendem a inocência dos “mensaleiros” e não esteja enxergando as coisas devido às limitações impostas pela minha ideologia. Talvez tudo seja frágil e utópico, mas há uma diferença fundamental entre os antagonismos, segundo as quais me obriga a não seguir a regra que a maioria se submete, simplesmente porque eu ainda consigo entender a subjacente mensagem do “não pense, não politize, apenas aceite”, como acontece com muitas pessoas que postam apocrifamente linchamentos de ptistas nas redes sociais, sem o devido senso crítico e/ou levado pelo ódio de classe.
A minha percepção sobre essa visão de elevado cunho revanchista não me impede de enxergar que o pragmatismo do PT levou o partido a se aliar a Sarney, Maluf e Renan Calheiros. Embora aceite o argumento da estratégia republicana para conseguir o poder, não posso deixar de criticá-lo pela quebra dos seus paradigmas quando recorreu às mesmas armas utilizadas pelos tucanos mineiros no episódio do “caixa dois”.
O misto de ingenuidade e pragmatismo foi o mote que as elites precisavam para tentar o golpe, tanto é que o sucesso do governo ptista nas áreas econômicas e sociais ainda é insuficiente para garantir o pleito de 2014. O principal motivo está na subestimação dos ptistas pelo contexto de nossas raízes históricas, através das quais podemos entender os motivos pelos quais ocorreram massacres de minorias, golpes e insurreições contra aqueles que ousaram questionar e lutar contra os interesses das elites predadoras desse país.
Mas o meu interesse principal é tentar trazer a luz dos fatos minha defesa incondicional a Genoíno, porque acompanhei sua trajetória de luta por liberdade e democracia e que sua vida humilde, aliada as opiniões dos maiores juristas desse país, leva-me a crer em sua inocência, como nos demais, principalmente por conhecer o contexto golpista das nossas elites.
No entanto, mesmo tendo críticas e senões ao modelo adotado pelo PT, não posso deixar de reconhecer os enormes avanços na área social e econômica dos seus dois governos e, de forma consciente, defendê-los, sem a alienação que domina e regula o pensamento daqueles que se alimentam do ódio e que destilam sua ira pelas redes sociais, como “replicantes” forjados por uma sociedade dominada por blade runners.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

À ESPERA QUE A BOMBA EXPLODA

Sou do tempo em que os campinhos de futebol, em Antonina, eram abundantes. A gente dobrava uma esquina e lá estava um bando de meninos correndo atrás da bola, a imitar os craques daquele tempo. Ainda havia outras brincadeiras de rua, como: “polícia-ladrão”, pular corda, roubar goiaba do vizinho e com as meninas brincar de “pedrinha-do-céu”.
Naquele tempo tudo era mais simples e vivíamos protegidos pela ilusão dos morros e marés que contornavam Antonina. Não tínhamos medo de nada, exceto das histórias de assombração que nos obrigava a dormir com as luzes acesas para que as coisas sobrenaturais não fustigassem nossos sonhos. Nos sábados à tarde fazíamos festinhas americanas, para as quais as meninas levavam doces e salgados e meninos refrigerantes e sucos. Ao som da vitrola ou radiola dançávamos o iê-iê-iê, sob a vigilância dos pais das meninas.  Aos domingos assistíamos à matinê no Cine Ópera, onde o primeiro toque na mão da menina desregulava o batimento cardíaco. Tínhamos em nosso favor a comida feita no fogão à lenha, as frutas e verduras sem agrotóxicos e pouca variedade de doces e refrigerantes que nos satisfazia. Também em nosso favor tínhamos as casas de portas abertas e muros baixos, a rua sossegada e sem pressa, o céu constelado de pipas e um frescor de pura lágrima no adeus da primeira namora.
Não quero com isso cultivar os valores e o modo de vida da minha infância, mas sim procurar algum indício do por que algumas pessoas da minha geração olham para trás com suas lanternas acesas como um meio de justificar o motivo pelo qual nos vestimos no presente com o luto da nostalgia.
Não me interpretem mal, mas eu não tenho a intenção de decifrar o mundo, nem a minha pequena aldeia. Apenas quero propor uma avaliação entre o que éramos e o que nos tornamos como civilização, e se possível aliviar o impacto causado pelos distúrbios em nossa integridade social.
É óbvio que, gradativamente, a vida foi se tornando complexa e as referências se perderam no declínio civilizatório da globalização. O mundo ficou sem barreiras e as ilusões entre os morros e marés deram lugar ao delírio dos tempos modernos, que nos impôs um limite para vivermos entre as aparências do passado e a dura realidade do presente.  
Antes de qualquer coisa é preciso relativizar alguns conceitos, porque hoje em dia vivemos numa sociedade plural, de padrão, aparentemente, subjetivo, muito por conta dos tempos de outrora em que tudo era lei e nada se discutia.
O dinamismo com que a informação chega e vai dificulta que tenhamos uma visão mais objetiva da vida, e isso, a meu ver, impede que assimilemos certos valores essenciais para a nossa consistência ética, moral e psíquica. Esses fatores, embora efêmeros, nos impedem de enxergar essa pluralidade, bem como se utilizar de seus fatores como um meio de desfrutar melhor a vida.
Mas é no jovem que essa efemeridade o torna mais vulnerável. Nos tempos de hoje, devido ao excesso de informações, somadas às questões psíquicas e a falta de meios para se expressarmos culturalmente, acarretam no jovem uma falta de referência, cuja conseqüência é o aumento da delinquência e o uso de drogas de drogas lícitas e ilícitas. Como parâmetro para esses fatores está o evidente conflito de gerações entre pais e filhos, a crise de autoridade que leva aluno e professor ao desentendimento, a falta de perspectivas e, consequentemente, o descrédito nas instituições públicas.
Não quero afirmar e nem colocar nas mãos dos pais, professores e poder público, isoladamente, a responsabilidade pelo dilema dos jovens. O que proponho é uma postura agregadora desses agentes para que os elementos ameaçadores sejam superados por políticas de inclusão social e cultural.
Talvez um dos impedimentos para a implantação de políticas para o jovem seja este instinto de preservação e postura militaresca, muito enraizada em nossa cultura, por conta do aumento da delinquência juvenil em nossa cidade. Essa nossa visão maniqueísta é um dos fatores prejudiciais para que nos organizemos socialmente e exijamos das autoridades políticas públicas para a área esportiva, cultural e de trabalho e emprego.
Mas há outra questão que precisa ser atacada e esta requer uma ação mais concreta do poder público e dos agentes envolvidos. Reporto-me aos jovens que estão em estágio avançado de dependência química, cuja situação dificilmente o CAPS tem condições de atender. Não que eu desmereça o trabalho dos centros psicossociais, mas, a meu ver, sua política não inibe aquele usuário em estágio avançado de retornar às drogas, pela simples razão que o adicto continua mantendo relações sociais com o traficante e outros dependentes.
Para esses casos a questão é mais profunda e merece um empenho maior por parte do poder executivo e ministério público. A ideia é que planos sejam traçados com o intuito de retirar das ruas os usuários com alto risco social e interná-los, compulsoriamente, em clínicas especializadas, logicamente dentro de uma política de saúde traçada pelos agentes especializados. Para que isso ocorra é preciso que se monte uma equipe de abordagem que atuará junto aos usuários e, dependendo da situação de grupo, acionar o CAPS e propor a internação, em conjunto com a anuência dos pais ou responsáveis.
Por fim, é preciso que, paralelamente, seja encarada a questão do tráfico de drogas. A incumbência, como não poderia de ser, é da segurança pública, mas esta deve atuar em conjunto com o ministério público e com o apoio de programas destinados a combater as organizações criminosas. Uma boa medida é a inserção do município no programa “Crack, é possível vencer”, do Ministério da Justiça, que atendem não só à saúde pública, como dá suporte técnico ao combate do tráfego, através de unidades móveis devidamente aparelhadas para esse fim.
Como coloquei antes a busca de soluções para combater a violência e o uso de drogas, não estão nas medidas punitivas e sim nas políticas preventivas de inclusão e ressocialização, porque a delinquência juvenil está mais relacionada à situação social do jovem e sua família que problemas de essência. Não entender esses fatores e não investir em políticas que permitam ao jovem se manifestar culturalmente, ter práticas esportivas, bem como não lhe dar perspectivas de trabalho e emprego, é olhar, resignado, para o pavio aceso de uma bomba e esperar que ela exploda.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O PODER TEMPORAL

Depois do Jekiti Cultural fui com a minha esposa e um casal de amigos no Buganvil. Lá, soube que a proprietária do restaurante perdeu na justiça o direito de continuar com seu estabelecimento no mesmo endereço, devido ação impetrada pela Mitra Diocesana de Paranaguá para reaver o imóvel.
Não vou desconsiderar o direito da instituição religiosa em querer o imóvel de volta e nem questionar os fins doutrinários para o local. Apenas quero opinar que tal decisão, embora legal, é antissocial, por não considerar os prováveis prejuízos aos proprietários e empregados do estabelecimento.
Parece-me o que está em jogo, por parte da Igreja, é a plenitude do seu poder, como ocorrera nos tempos da idade das trevas, quando tinha o monopólio das “verdades inquestionáveis” e as usava para influenciar nas decisões que melhor lhe conviesse.
Embora vivamos em pleno século XXI, o ranço dos tribunais do santo ofício ainda está no subconsciente da instituição, por não se sensibilizar com as tentativas de negociação e apelos da proprietária para continuar com seu empreendimento no local. Essa postura intransigente só vem provar que a igreja trabalha para si, quando deveria se dedicar à causas sociais e abandonar suas intenções materialistas, como se ainda fosse um Estado secular.
Como sou do tipo de pessoa que acredita que se a lei não traz o bem estar e a felicidade às pessoas, ela não serve como princípio moral; e se favorece a acumulação de bens e o direito à propriedade, deve ser questionada a sua precariedade, principalmente pelo casuísmo com que a igreja construiu seu patrimônio.
Naturalmente a questão maior está na posição privilegiada da igreja que a ajuda a impor-se perante a sociedade, cuja soberania é imposta sobre aqueles que ainda a enxergam como uma entidade de poder indivisível e ilimitado. Digo isso porque é fato que as pessoas são levadas a acatar e obedecer, sem questionamentos, as ordens impostas pela igreja e isso tem tudo a ver com a desigualdade social e cultural de uma sociedade que ainda vive sob égide do medo e da culpa.
Tudo isso que foi colocado não vai alterar, a priori, a decisão judicial, mas serviu para eu exercer o pleno direito de opinião contra a postura arrogante da Mitra e me solidarizar com a proprietária do restaurante e seus empregados, que mais uma vez foram subjugados pelo poder temporal da igreja.

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento