"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

FOUCAULT E A TURMA DO LITRO

Em férias e sem nada para fazer, recorri a algumas releituras. Uma delas me chamou a atenção, por representar um momento com o qual quero dividir com os poucos leitores desse blog. Da minha estante tirei A História da Loucura e através desta obra de Foucault pude melhor entender as concepções que levaram a retirada da Turma do Litro da Feira-Mar. Como estou aqui em Curitiba, não sei se aqueles vagabundos originais, como bem definiu meu amigo Edson Negromonte, retornaram do exílio imposto por aqueles que não os queriam na praça. Não procuro aqui dar soluções devido à minha falta de profundidade no assunto, mas não vou me eximir de dar minha opinião, com base no que lera na obra de Foucault e sua relação com a Turma do Litro.
Como a obra é longa vou poupar os leitores de uma análise longa e cansativa, embora tema correr o risco de não atender todos os pontos que envolvem a questão.
Foucault aponta logo de cara a questão da lepra e a maneira pela qual a doença foi esquecida pela sociedade da Idade Média. O fato do esquecimento, para o autor, não se configura pelo controle da doença, nem pela sua cura, e sim pelo entendimento de como a sociedade se relacionava com a doença, atribuindo a ela um outro valor, isto é, de considerar a lepra não só uma doença venérea, mas também de loucura. Essa nova atribuição produziu uma exclusão desses doentes do seu grupo social e essa nova moral os jogou para dentro das grades das prisões.
Com a criação do manicômio a sociedade encontrou um meio de expurgar os indesejáveis da vida social porque não havia uma instituição que os abrigassem para um tratamento adequado. Em suma: os manicômios tiveram a mesma atribuição das prisões, com o único intuito de proteger os cidadãos comuns. Até o acesso às Igrejas era proibido, mas aos loucos lhes era dado o direito ao sacramento.
Na Idade Média houve um mascaramento de toda aquela inquietude trazidas pelas pestes e pelas guerras, desencadeando uma mudança da moral e de costumes, pois a morte já não era a preocupação maior. As relações sociais tornaram-se mesquinhas, as pessoas perderam a referência daquela cultura que pregava o fim dos tempos, deixando um vazio no interior da sociedade. Esse nada foi substituído, de certa forma, pela loucura e o que poderia ser uma libertação daqueles tempos de trevas, paradoxalmente, desencadeou no seio da sociedade um aviltamento das relações humanas. As obras culturais eram carregadas de monstros, de alucinações platônicas que denunciavam a loucura como o objeto da tentação do homem. Judicialmente a loucura era representada pelas figuras de bêbados, adúlteros, devassos e outros tipos que não seguiam a moral estabelecida na época, transformando-os em cidadãos incomuns e que deveriam ser excluídos do convívio social.
Para não me alongar demasiadamente, eu deixo aqui essas observações, com a humilde pretensão de mostrar, pela contextualização histórica, que a sociedade tem sua moral própria e aqueles considerados socialmente incomuns são banidos do convívio social pela simples razão de não seguirem um código de conduta. Essa assimilação é proveniente de uma corrente, uma onda social desencadeada por fatores substanciais, como violência, calamidades e guerras, as quais provocam na sociedade um medo e, consequentemente, a criação de um mecanismo de defesa, transformando o homem num escravo de seus próprios desatinos.
Enfim, a maneira pela qual enxergamos a Turma do Litro tem tudo a ver com a nossa incapacidade crítica, com a nossa postura de rebanho perante o que nos é imposto. Toda essa visão não passa de uma representação, de uma verdade irrisória, como nos tempos em que o mundo temia o fim da humanidade por causa das pestes e das guerras. Esse medo ainda se mantém, mas com outra roupagem, outra moral, embora na essência é a mesma quando, na Idade Média, a sociedade tratava a loucura nos tribunais, isto é, decidia, julgava e executava.

3 comentários:

Edson Negromonte disse...

A sociedade, através das forças policiais, tenta esconder a sua própria falência. A sociedade não suporta ver-se refletida no espelho da penteadeira, em toda a plenitude da sua miséria, num retrato sem meias-tintas. Abraço!

Amigos do Jekiti disse...

Grande Edson, disse tudo, meu amigo!
abraço

Edson de Araújo disse...

Lembrei do meu finado amigo José Carlos Pedreira.
Era promotor de Justiça, e adorava beber em botecos de roda de samba e pagode.
Vivia com aquela "gente bronzeada" cantando na quadra da sua Escola de Samba X9.
Foi advertido para não se expor em "lugares impróprios".
Enquanto isso, não na Sala Justiça, seus conselheiros apareciam na coluna social da Teresa Bueno Wolf, tomando todas no badalado Clube de Pesca de Santos.
Beber com armadores, empresários e famosos da região, podia.

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento