Meus olhos perambulavam desperdiçados pelos quadros, retratos e móveis antigos arqueados. Em meio àquela solidão e consciência, eu sabia do Sol de verão que ardia lá fora, da brisa leve que soprava sobre Antonina, mas por respeito preferi não quebrar o encanto daquele exílio sombrio de onde meus avós, intimamente, emprestaram ternura ao mundo.
Embora soubesse que tudo precisaria ser continuado, reconstruído, preferi não pensar nos passos do porvir e nem preparar a minha própria reinvenção, pois tais necessidades só poderiam ser alcançadas depois que sentisse o que os objetos e lembranças teriam a me dizer.
Andei lentamente pelos cômodos da casa e agasalhei meus olhos no quarto antigo, na cama de cabeceira alta, no armário de espelho oval e no criado-mudo que ainda sustentava a minha foto. Fluía em mim algumas perspectivas de verdades provisórias: de que a dor da saudade limitava-se, naquele momento, ao que meus olhos encontravam em volta, que a minha infância perdera-se nos meandros do milagre do tempo e que a então felicidade esbarrava-se em minha maturidade.
Na cozinha a minha avó preparava, com delicadeza, a travessa de salada. O feijão e o arroz estavam sobre a mesa, junto à travessa de filés de frango à milanesa. Meu avô chegava, obsequioso, de chapéu na mão e a cumprimentava. Em seguida os dois sentavam para almoçar e, com o olhar repousado um no outro, eles conversavam sobre as coisas pequenas do dia-a-dia. Com os olhos atentos, eu os seguia e a cada palavra trocada eu negligenciava os gritos surpresos dos meus amigos no velho campinho de futebol. Como se fora triste, suspirei, irrevogável, e me encontrei na dolorosa alegria do passado.
Na sala ainda estava o velho rádio, sobre a mesa de cerejeira escura e, ao redor, duas cadeiras de vime, nas quais meus avós sentavam para ouvir a programação da Rádio Antoninense até a Hora da Ave Maria. Meu avô gostava de passar as tardes ali, lendo e acompanhando o movimento da Rua XV, enquanto minha avó, ao lado dele, tentava acomodar, em algum lugar de seu corpo, a dor da saudade de seu filho que morava além da Serra.
Enquanto as boas lembranças desabavam em minha mente, cada vez mais me certificava que toda a saudade não vinha dos odores, dos paladares da comida da minha avó e nem dos movimentos dos corpos daquela casa, e sim da forma, do feitio que meus olhos davam àqueles objetos que jamais mudaram de lugar.
Em meio àquela paz fugidia, tentei regular a dor em meu peito, e, depois de alguns devaneios, inconcluso, pude perceber que naquela harmonia inquietante o que me pertencia não era o presente e nem o porvir e sim a ilusão do passado, onde residia todo o meu desejo.
Tudo à minha volta me ofertava uma robusta sensação de que toda a tentativa de querer ser feliz era um desejar inútil. Olhei os objetos mergulhados na penumbra e, antes de ir embora, ergui o olhar e senti, em meio ao bafio lúgubre que me rodeava, que minha infância e meus avós morreram só um pouco.
3 comentários:
Excelente texto, Luiz, tocante, gostei muito. Abraço!
Faço minhas as palavras do Edson: belíssimo e tocante
Não digo tocante.
Acho essa palavra perigosa demais he he he he
Mas, Luiz Henrique, escreveu mais uma bela crônica!
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