"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



sábado, 28 de maio de 2011

O TER E O SABER OBSOLETO

Vivemos numa sociedade voltada para o consumo e as novas traquitanas tecnológicas servem como ópio para nos desviar dos grandes problemas que enfrentamos e vemos em nosso dia-a-dia. É tanta barbaridade que preferimos nos esconder em casa e lá nos fecharmos dentro de uma TV de alta definição, nos conectarmos a Ipads à busca de novas tecnologias de consumo.
Coloco isso por conta da fila de centenas de pessoas em frente a uma loja que disponibilizaria o IPad 2 que, na sua essência, pouco difere do modelo anterior que foi lançado há pouco tempo. Fico aqui com meus botões imaginando se tivesse comprado o primeiro modelo em prestações e, mesmo sem concluir todos os pagamentos, na certa estaria me sentindo traído, todavia bolando uma maneira de me endividar outra vez, em face de o novo modelo.
Eu, que na minha infância brincava com carrinhos feitos de latas de leite, cheios de areia, estaria aqui me deliciando com essas tecnologias que me permitem ver uma novela sem “fantasmas” e utilizando uma tecnologia que diminuiu minha distância com o mundo virtual, pois o real é muito próximo e perigoso. É obvio que essa tecnologia tem suas grandes vantagens e não vou aqui enumerá-las para não cair no proselitismo, mas a percepção que tenho – e aí entra a formação do jovem – é que essa tecnologia é proveniente de uma política educacional que deixou de lado a formação do cidadão para dar lugar ao profissional de alto desempenho.
A educação se fragmentou, não por escolha, e sim por força de algumas determinantes coercitivas dessa sociedade moderna que afastou o homem dos seus verdadeiros propósitos, que é a de formar não só profissionais de alto desempenho, mas indivíduos conectados às questões mais complexas do mundo.
A tecnologia da informação, que por um lado nos ajuda, nos afasta e nos torna reféns das nossas próprias neuroses, através do consciente coletivo de querermos cada vez mais competir para nos sentirmos orgulhosos pelo que temos e não pelo que somos.
Como mudar este quadro realmente eu não sei, só sei que cada vez mais nos perderemos nessa divagação entre o “ser” e o “ter” e essa conjugação não é tão difícil de entender, mas difícil de evitar, pois essas forças coercitivas sociais em nossas vidas independem da nossa vontade, pois além de internalizarem regras, formam hábitos espontâneos.
Este escrito não tem a pretensão de apontar caminhos, mas a de incitar a reflexão de professores e pessoas ligadas à formação do jovem, para que ambos possam encontrar meios para o desenvolvimento do senso crítico no aluno e com esse olhar enxerga-se como instrumento transformador dessa sociedade que cada vez mais afasta o homem dos seus verdadeiros valores.
Para encerrar, quero aqui mais uma vez falar do Maria Arminda e dizer ao seu corpo docente e aos seus funcionários o mesmo que eu ouvi muitos anos atrás, na faculdade, do grande antropólogo e político Darcy Ribeiro: “Jovens, duvidem”. Esta frase, na época, não me pareceu reveladora, mas depois, com a experiência, me ajudou a entender que é preciso ir além do que nos é mostrado, não só pela mídia, como também pelos nossos sentidos. O duvidar não se encaixa na máxima de São Thomé e sim num insite para que encontremos respostas para as coisas que nos são impostas como regras, tendo como objetivo o de não sermos apenas replicantes das coisas que nos são ditas e mostradas como absolutas. Ir além da fé é distinguir qualidade e a partir desta à essência das coisas, pela simples razão de que nem todos os conceitos dados às coisas implicam em significação, porque esta pode, ou não, – dependendo do nosso grau de percepção – dar outro sentido sobre o que fora estabelecido anteriormente por alguma intenção qualquer.

3 comentários:

Anônimo disse...

A obediência é uma valor perdido?

Pensando sobre a trajetória humana, verificamos que os valores fundamentais, mesmo conhecidos, mesmo incansavelmente estudados ficaram longe da sua implementação. O que nos inquieta é o fato de que nossas crianças e adolescentes estão apresentando um comportamento que nos desorienta, aliado ao nosso próprio comportamento pós moderno que é massificado, hedonista, individualista. Isto se deve ao fato de que traímos os mais belos ideais que nós mesmos construímos. Nunca fomos livres, iguais, solidários, fraternos.

A obediência pode ser quase sinônimo de adestramento se quisermos escolas freqüentadas por crianças dóceis, estudiosas, disciplinadas, onde consigam ficar quietinhas por horas, sem conversas paralelas e que brinquem educadamente com os colegas sem discutir nem brigar, dispostas em fileiras para aprenderem o que os educadores têm para ensinar. Sabemos que não é assim, alunos, filhos são questionadores, são cheios de energia e de vida, aliás o ritmo, o "movimento" da vida atual está presente neles, nos seus ideais e comportamento.

A obediência é um valor em famílias que pretendem filhos nos quais a hierarquia esteja presente, onde quem “manda pode e obedece quem precisa”.

A obediência é um valor em instituições que não permitem a criatividade.

A obediência é um valor quando reproduzimos preconceitos e não reconhecemos o ímpeto para o novo, o inusitado. Porém há meninos e meninas, homens e mulheres que conseguem se conduzir com altivez, com liberdade. São filhos, alunos, pessoas que podem outorgar autoridade a quem tem direito a ela, que conseguem enxergar que o certo, o bom, o adequado estão contidos na figura da autoridade dos pais, dos educadores, de seus superiores. Eles não devem obediência à autoridade, eles reconhecem e honram a autoridade.

Os pais, educadores, chefias e superiores investidos de autoridade que vem diretamente do prestígio que têm juntos aos seus, não precisam lançar mão de longos discursos sobre ética, os que pretendem pessoas justas e gentis, não precisam ensinar-lhes as artes da justiça e da gentileza, basta tratar as pessoas com respeito.

As crianças, adolescentes, jovens estão sempre observando, as pessoas de valores nobres têm comportamento compatíveis com eles, podem, portanto esperar que eles se conduzam livremente dentro do que Aristóteles chamou de virtude. A isto podemos chamar excelência em educação.

A autoridade não esmaga, não massifica, não despersonaliza. Ela reconhece e resguarda a diversidade, respeita as discussões, as transgressões. Os avanços da humanidade foram protagonizados pelos transgressores, o movimento abolicionista não partiu dos escravos esmagados sob o autoritarismo extremo, surgiu por parte dos petulantes, dos corajosos, dos sensíveis aos direitos humanos. Sócrates fazia da pergunta o instrumento pedagógico através do diálogo, conduzindo seu interlocutor ao auto conhecimento, à sabedoria e à prática do bem. Sócrates considerava mais importante debater sobre as coisas humanas, sobre os valores imutáveis, pois as coisas científicas são mutáveis, valorizando as virtudes individuais,como a coragem, a temperança, cooperação e a amizade.

Valores tornam-se realidade se partirem de dentro, se fizerem sentido, não é possível ensinar ética, é necessário que se viva eticamente para que ela seja um valor, e isto se aplica a tudo: respeito, amor, solidariedade, compromisso, responsabilidade e inclusive obediência à verdadeira autoridade investida de todos estes valores.

Somos fazedores da história, através das famílias, do sistema e da sociedade que instauramos ao longo do tempo, e nossos pequenos mais do que nunca estão de olhos, sentidos, ouvidos abertos a aprender: que Ser Humano é este?

Visconde da Feira Mar

Amigos do Jekiti disse...

Excelente e pertinente seu comentário.
Vou postá-lo, ok?

Anônimo disse...

Muito bom o post e o comentário.
Vivi uma infância maravilhosa em Antonina. Chegava da escola, tirava os sapatos, almoçava e subia nas goibeiras. Era uma delícia, preferia sempre as vermelhas. De vez em quando, com meus amigos, da minha idade, enchiamos uma cesta de goiabas e iamos até a antiga rua do Esteiro ( das primas), elas adoravam e nós mais ainda com as moedas que ganhavamos. Isto era feito a tarde, lógico. Tinha o tempo de mimosa, o tempo de brincar com pião, bolinha de gude, soltar pipa, pescar siri, cangulo, bagre e salteiras no trapiche que ficava ao lado do atual atracadouro municipal. Era uma delícia. Eu era feliz com poucos recursos materiais e com muito que recebia de Deus.
Pobre crianças de hoje.

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento