"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



domingo, 22 de janeiro de 2012

QUANDO DEBUTEI NO BECO DO MIJO


Corri para casa da minha avó Chiquita, ansioso e alegre para brincar meu primeiro carnaval de verdade. Meus amigos e primos, em frente ao ‘campo dos arapongas’, cantavam e batucavam nas latinhas de azeite antigas marchinhas de carnaval. O estandarte, feito de um lençol branco puído, sustentado por um cabo de vassoura, estampava o nome do bloco em batom vermelho, cujo “dono” era Erasminho, fundador e integrante mais velho.
Enquanto desesperava minha mãe e avó sobre o vestido que iria usar, minha tia corria para sua penteadeira para pegar algum par de brincos. Meu avô Antoninho ficava no seu pequeno armazém, impávido, fumando e lendo "O Antoninense". Eu tentava controlar toda a ansiedade dividindo-me entre o som da batucada na rua e minha fantasia, temendo que o bloco saísse sem mim. Depois de alguns minutos lentos, saí, sem constrangimento, usando um vestido de chita florido, lenço na cabeça, brincos de argola e um colar que imitava pérola. Assim que me juntei ao bloco, para minha surpresa, Erasminho me entregou o estandarte. No exato momento em que eu o empunhei, senti-me honrado, e garbosamente me postei na frente do bloco, como se fosse uma baliza de fanfarra.
Enfim o Beco do Mijo saiu sob o Sol quente da manhã de segunda-feira de carnaval de 1967. Éramos oito surreais saltimbancos serelepes, palhaços risíveis, trôpegos zambaios, peregrinos da alegria que cirandavam em desatino pela rua do beco. Debruçados na janela das casas os moradores assistiam ao desfile, como se vissem passar a onírica “nau dos loucos” repleta de insanas criaturas que íam à busca dos seus destinos.
Viramos à esquerda, na Rua Engenheiro Rebouças, onde dona Adélia nos esperava na janela da sua casa com uma refrescante jarra de limonada. O bloco parou com a batucada e todos correram para saciar a sede e a gula. Maneco “araponga” dividia cotovelas e empurrões com Erasminho; João ‘garça’, Gibe, Paulo Putrich e João Alberto, aproveitavam a indecisão dos dois para ganharem vantagem, enquanto eu, enobrecido com o estandarte nas mãos, olhava estéril para aqueles “miseráveis”. Dona Adélia, com o olhar horrorizado, tentava botar alguma ordem, mas os gulosos e psicóticos integrantes não respeitavam seus apelos.
Em menos de um minuto a jarra ficou vazia e os integrantes do bloco, entre arrotos guturais e flatulências impertinentes, catavam seus “instrumentos”, enquanto eu, perplexo e risível, continuava com o estandarte nas mãos, deduzindo que aquela honraria de Erasminho não passava de uma estratégia espúria da sua gulodice.
Entramos na loja do seu Jorgito – esquina da Rua XV de Novembro com Engenheiro Rebouças - e ali ganhamos nosso primeiro vintém. Era uma nota de 01 (um) cruzeiro e João “garça”, como sobrinho do comerciante, colocou o dinheiro na bolsinha do estandarte. Atravessamos a rua e entramos no comércio do Jorge “pé-de-metro” Cecyn e lá fomos expulsos sem levar nenhum trocado. Aos gritos de pão-duro, seguimos pela Rua XV de Novembro até chegar à loja do seu Salomão. Ele, para não negar a tradição, nos deu algumas balas, mas mesmo assim não deixamos de homenageá-lo com o nosso bordão: - Pão-duro! Pão-duro!
Pouco metros depois, paramos em frente à papelaria do Kupechinski e lá hesitamos entrar. O dono do estabelecimento era um velho galgaz, austero como um oficial nazista e sua pele era desbotada pelo vitiligo. Depois de uma breve discussão, resolvemos não enfrentar a fera, mas homenageamos o velho Kupechisnki com um apelido apropriado: cobra d’água.
Passamos em frente à casa dos meus avós. Dona Olinda estava na janela, sorrindo branda e seu “carvalhino” na porta, com as mãos para trás, com olhar interrogativo. Ambos olhavam para o neto, sem restrições, e assim que passamos alguém do bloco resolveu cumprimentar meu avô com um “bom dia, seu caralhinho!
No comércio do Madureira ganhamos alguns trocados. Viramos a Heitor Soares Gomes e entramos no armazém do Soda. Enquanto alguns batucavam e pediam dinheiro, outros assaltavam o saco de amendoim que ficava próximo à porta. Ganhamos alguns trocados e saímos agradecendo, gritando: - Seu Soda é foda - já com o itinerário traçado: a loja de dona Branca. Lá entramos e seu marido Rodolfo, nos deu uma moeda, embora não fosse o desejado, agradecemos a gentileza e seguimos em frente.
Pegamos a Carlos Gomes, com destino a Rua Esteiro. Assim que chegamos lembrei-me da recomendação da minha para nunca pisar na rua, onde viviam e trabalhavam as meretrizes da cidade. Entramos na barbearia do Glostora, onde obtivemos sucesso. Mais adiante uma mulher da então profissão da “vida fácil”, sorriu para nós e perguntou se alguém queria tirar o cabacinho logo cedo. Sem que alguém tivesse tempo de reagir, ela entrou, puxada pelos braços por um possível marinheiro que aportara no Barão de Teffé.
Nossa alegre peregrinação pelas ruas e comércios de Antonina foi lucrativa. Ao meio-dia chegamos no beco e entramos na casa de Paulo Putriche para dividirmos nosso lucro. Da sacolinha tiramos as notas mais graúdas e do bolso do vestido João Alberto tirou as moedas.
A divisão da grana não seguia a lógica da ciência exata, tanto que as primeiras manifestações de repúdio começaram contra João Alberto, que relutava entregar algumas moedas que ainda estavam no bolso do seu vestido. Intimidado, fiquei sentado na roda, vendo-os contar o dinheiro, já imaginando que seria passado para trás. Não me importava com o dinheiro, pois sabia que minha bisnaga, máscara de pirata e serpentinas, meu avô “carvalhinho” me garantiria mais tarde.
Enfim a contagem e a divisão do dinheiro terminaram. Como previ saí da casa de Paulo com algumas moedas, as quais eu sabia que não foram frutos de uma divisão honesta. Mas Maneco e João “garça” também saíram com a mesma quantia que eu, reclamando dos mais velhos que ficaram com a gorda parte da arrecadação. Sem lamentações e arrependimentos, segui pelo beco, feliz e realizado, contando as minhas moedinhas.
Agora, ao acabar este texto, percebo que aquele dia, em que debutei no Beco do Mijo, fez-me entender e respeitar aqueles, cuja orientação sexual é diferente da minha, que são alvos da intolerância, do ódio e preconceito de muitas pessoas que são tão iguais a mim.

2 comentários:

Anônimo disse...

que lugar pra debutar....

MARIA DA CONCEIÇÃO disse...

Bacana Luiz
O beco do mijo já faz parte da tradição do carnaval de Antonina, só lamento que a rua fique tão cheia que os blocos desaparecem no meio da multidão.
Lamento e acho que se deveria repensar o carnval, que já foi muito bom.
Maria da Conceição

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento