"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



terça-feira, 3 de agosto de 2010

NA CASA DOS MEUS AVÓS


Por Luiz Henrique R. Fonseca
Meus olhos perambulavam desperdiçados pelos quadros, retratos e móveis antigos arqueados. Em meio àquela solidão e consciência, eu sabia do Sol de verão que ardia lá fora, da brisa leve que soprava sobre Antonina, mas por respeito preferi não quebrar o encanto daquele exílio sombrio de onde meus avós, intimamente, emprestaram ternura ao mundo.
Embora soubesse que tudo precisaria ser continuado, reconstruído, preferi não pensar nos passos do porvir e nem preparar a minha própria reinvenção, pois tais necessidades só poderiam ser alcançadas depois que sentisse o que os objetos e lembranças teriam a me dizer.
Andei lentamente pelos cômodos da casa e agasalhei meus olhos no quarto antigo, na cama de cabeceira alta, no armário de espelho oval e no criado-mudo que ainda mantinha a minha foto. Fluía em mim algumas perspectivas de verdades provisórias: de que a dor da saudade limitava-se, naquele momento, ao que meus olhos encontravam em volta, que a minha infância perdera-se nos meandros do milagre do tempo e que a então felicidade esbarrava-se na dureza da vida.
Na cozinha vi minha avó preparar, com delicadeza, a travessa de salada, colocar o feijão e o arroz sobre a mesa, junto com os filés de frango à milanesa. Meu avô chegava, obsequioso, de chapéu na mão e a cumprimentava. Em seguida os dois sentavam para almoçar e, com o olhar repousado um no outro, conversavam sobre as coisas pequenas do dia-a-dia.
Na sala ainda estava o velho rádio, sobre a mesa de cerejeira escura e, ao redor, duas cadeiras de vime, nas quais meus avós sentavam para ouvir a programação da Rádio Antoninense até a Hora da Ave Maria. Meu avô gostava de passar as tardes ali, lendo e acompanhando o movimento da Rua XV, enquanto minha avó, ao lado dele, tentava acomodar, em algum lugar de seu corpo, a dor da saudade de seu filho que morava além da Serra.
Enquanto as boas lembranças desabavam em minha mente, cada vez mais me certificava que toda a saudade não vinha dos odores, dos paladares da comida da minha avó e nem dos movimentos dos corpos daquela casa, e sim da forma, do feitio que meus olhos davam àqueles objetos que jamais mudaram de lugar.
Em meio àquela paz fugidia, tentei regular a dor em meu peito, e, depois de alguns devaneios, inconcluso, pude perceber que naquela harmonia inquietante o que me pertencia não era o presente e nem o porvir e sim a ilusão do passado, onde residia todo o meu desejo.
Tudo à minha volta me ofertava uma robusta sensação de que toda a tentativa de querer ser feliz era um desejar inútil. Olhei os objetos mergulhados na penumbra e, antes de ir embora, ergui o olhar e senti, em meio ao bafio lúgubre que me rodeava, que minha infância e meus avós morreram só um pouco.

5 comentários:

Sandra Gonçalves disse...

São lembranças assim, recordações assim que fazem a vida valer a pena...
Bjos achocolatados

Eduardo Nascimento disse...

Belas lembranças...Dona Olinda, seu Carvalhinho e logo depois dona Ivone. A história da casa com alma, com gente...E gente de fé.

Jura disse...

Belo texto,
São lembranças sedimentadas com muito amor e orgulho! Foram mãos que nos guiaram com muita dignidade e sabedoria e isto é imensurável...grande bjo meu irmão!

Jura

Unknown disse...

Linda homenagem Luiz Henrique!

Sei o quanto esta casa representa pra você! Foi ali, entre as janelas e portas, que você deu seus primeiros passos e espiou a rua da tua infância.

O amor e o carinho dos teus avós, Olinda e Carvalhinho, sedimentaram as boas lembranças e marcaram, amorosamente, você e teu pai, que tiveram o privilégio de conviver com eles.

Beijo
Lia

Luiz Henrique Ribeiro da Fonseca disse...

Obrigado a todos pelos comentários.
Realmente Sandra, são as lembranças que nos mostram o quanto vivemos.
Bó, realmente as pessoas que ali residiram são pessoas que ainda me trazem saudade
Minha irmã e Lia, aquela casa não foi feita apenas de barro e pedra e sim de sentimentos que moldaram minha vida. Não posso deixar de lembrar da tia Ivone e o quanto ela me foi importante, agora, meus avós foram os arquitetos.
beijos
Luiz Henrique

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento