"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



terça-feira, 31 de agosto de 2010

A ODISSÉIA DA PATRULHA TOURO


A CAMINHO DA SERRA NEGRA

Depois de andarem quatro quilômetros e meio, os cinco escoteiros pararam para o primeiro acantonamento. Era uma olaria abandonada, encravada no meio da mata da estrada para o Cacatu. Ali eles fizeram o primeiro lanche e Beto, a título de experiência, resolveu que cada escoteiro deveria guardar turno de duas em duas horas.
Logo cedo, os cincos seguiram pela estrada de Curitibayba, com destino a Morro Grande. A estrada era barrenta, rodeada pelo verde muito pouco variado da Mata Atlântica. O sol quente e o peso do material fustigavam seus corpos. A cada passo Antonina ficava mais distante, o perigo se tornava real, mas dentro deles ainda permanecia o sentimento de orgulho.
Chefe Beto ia à frente, altivo, brioso, apesar da baixa estatura. Ele carregava nos ombros 20 quilos de material e uma tonelada de responsabilidade. A cada passo se convencia de que precisa ser austero com os comandados e por isso os avisava para não tagarelarem para pouparem suas forças.
Depois de caminharem por quatro horas chegaram à localidade de Morro Grande. Avistaram uma residência e ali resolveram descansar um pouco. Quem os recebeu foi o Sr. Bernardo Moreira, que os convidou para almoçarem. Enquanto a comida era preparada, o anfitrião lhes servia um chimarrão na varanda, onde esclareceram à família do Sr. Bernardo alguns detalhes sobre o raid. Naturalmente houve reações de espanto, mas não deixaram de cumprimentá-los pela coragem e espírito cívico.
A mesa foi posta. Havia feijão com toucinho, arroz, carne de porco, e para acompanhar, a deliciosa farofa de frango que Milton Horibe trouxera para a viagem.
Ao meio dia, chefe Beto agradeceu a hospitalidade e foram arrumar o material. Sr. Bernardo lhes indicou o melhor caminho para o Cacatu e que deviam atravessar o Rio do Meio. Depois de uma calorosa despedida, partiram sob aceno de mãos e voto de sucesso na empreitada.
Às treze horas atravessaram um riacho. A mata era fechada e com seus facões iam abrindo picadas. Às catorze e trinta chegaram a uma pequena venda, onde um senhor japonês de nome Mokito Yassumuto lhes vendeu alguns mantimentos. Os pés começavam a doer e Canário e Manduca tiraram seus sapatos. Andaram mais quatro quilômetros e avistaram próximo ao portão da Fábrica de Papelão e Pasta Mecânica, do Sr. Ítalo Pelizi, um caboclo que os ensinou o caminho mais curto para atravessarem o Rio Cachoeira e chegarem a Serra Negra.
Ao chegarem à margem direita do rio, Lydio sugeriu que atravessassem a nado, mas Milton advertiu que o rio era fundo e tinha muita correnteza. Chefe Beto decidiu esperar por algum barqueiro da região e disse para todos descansarem um pouco.
Às dezessete horas, um barqueiro que sempre passava por ali, conduziu-os a outra margem do rio. Meia hora depois, chegaram ao Distrito de Cachoeira, onde eles pararam na fazenda Olímpia para passarem um telegrama a Antonina para avisarem onde estava estavam.
Escurecia rapidamente. Sabendo que não poderiam continuar, Sr. Yamaguti colocou a disposição um cômodo da casa e pediu à esposa que preparasse um jantar. Próximo à fazenda havia um riacho e lá eles se refrescaram para poderem dormir melhor. Os corpos já sentiam os primeiros sinais de fadiga: os músculos doíam, os pés inchavam e havia muitas marcas de mosquitos no corpo.
Cansados, custaram a dormir. Chefe Beto estudava a trilha a ser feita no dia seguinte e traçou um objetivo de chegarem antes do anoitecer em Cotia, um povoado que ficava no pé da Serra Negra.
Acordaram por volta das sete horas e as dores ainda incomodavam. As sete e trinta o dono da casa chamou-os para tomarem café, e ao sentarem, chefe Beto disse ao Sr. Yamaguti que chegariam a Iguape caminhando pelas linhas telegráficas, cortando a Serra Negra. Mas o senhor Yamaguti achou perigoso e disse a eles que o caminho era pantanoso e de rios traiçoeiros. Sugeriu outra rota e os orientou que fossem pelo norte, atravessando o Rio Cachoeira, até chegarem à localidade de Cachoeira de Cima, depois, seguindo em frente, chegariam em Capela da Ribeira.
Depois do café, os cincos escoteiros se despediram da família e partiram, conforme a orientação do Sr. Yamaguti.
O sol estava alto e as pernas ainda doíam. Os pés estavam inchados e latejavam dentro dos sapatos. Canário e Manduca caminhavam descalços. Chefe Beto sentia as mesmas dores e angústias, mas como todo comandante escondia suas fraquezas para não esmorecer a tropa. Lydio revisava o seu diário, enquanto Milton andava calado, vigilante, sempre alerta, para ver se alguma cobra cruzaria o caminho.
Mais experiente Chefe Beto sabia que seus comandados dividiam-se entre o feito e o recuo, e para levantar o moral da tropa, iniciou uma canção conhecida:

Ra-ta-plan! Do arrebol, escoteiros, vede a luz!
Ra-tá-plan! Olhai o sol do Brasil que nos conduz.
Alerta ó escoteiros do Brasil, alerta!
Erguei para o ideal os corações em flor!
A mocidade ao sol da Pátria, já desperta.
`A Pátria consagrai o vosso eterno amor!
Por entre os densos bosques e vergéis floridos
Ecoem as nossas vozes de alegria intensa
E pelos campos afora em cânticos sentidos
Ressoe um hino avante a nossa pátria imensa.
Alerta! Alerta! Sempre alerta!
Um dois! Um dois!
Ra-ta-plan! Do arrebol, escoteiros, vede a luz!
Ra-ta-plan! Olhai o sol do Brasil que nos conduz.
Unindo o passo firme a trilha do dever,
Tendo um Brasil feliz por nosso escopo e norte,
Façamos o futuro em flores antever,
A nova geração, jovial, confiante e forte,
Mas, se algum dia acaso,
A pátria estremecida de súbito bradar:
Alerta, ó escoteiros. Alerta!
Respondendo a Pátria nossa vida,
E as almas entregar, iremos prazenteiros!
Alerta! Alerta! Sempre Alerta!
Um dois! Um dois!

(Letra e música de Benevenuto Cellini)

2 comentários:

Edson Negromonte disse...

Parabéns novamente, Luiz! O texto está muito bom, até parece que você participou como testemunha ocular da saga desses bravos escoteiros antoninenses,

Anônimo disse...

Luis Henrique, o Eduardo Nascimento não foi monitor desta patrulha?

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento