"Monocrômica, anacrônica, atraente, arcaica Antonina, não amo-te ao meio, amo-te à maneira inteira."
Edson Negromonte.



quarta-feira, 22 de setembro de 2010

QUERO MONTAR UMA BANDA DE ROCK


          Fazia trinta anos que eu não falava com Edson. Encontrei-o no Jekiti e entre um café e outro falamos de nossa vida atual, sem sequer lamber o passado. Ele me disse que se tornara artista plástico e escritor e morava em Judiaí, onde tinha um pequeno sebo de livros e discos. Havia se separado há alguns anos e chegou a pensar em voltar para Antonina para se recuperar, mas depois, pesando os prós e os contras, anteviu-se enchendo a cara e apodrecendo nas esquinas, e desistiu. Refugiou-se por uns tempos na casa dos pais, em Resende, onde se reergueu e descobriu a região de Visconde de Mauá, na Serra da Mantiqueira: lugar paradisíaco, na divisa dos estados do Rio Janeiro e Minas Gerais, onde se entregou, por um ano, ao far niente. Quando retornou a Jundiaí, dedicou-se à pintura e literatura: escreveu dois livros infantis e realizou algumas exposições em galerias de São Paulo.
Conversamos aproximadamente por meia hora e depois que Edson partiu, minha memória foi extremamente generosa comigo. Em convulsões, arranquei de mim todo o passado, e o segui bem de perto, enquanto uma balada antiga soava em meus ouvidos.
Não sei o que Edson queria resgatar em Antonina, só sei que ele era ansioso para descobrir o mundo e se envolver com ele. Seus quadros eram quixotescos, surreais, intensos, como se ele encharcasse a tela com o próprio sangue. Eu vivia na casa dele, trancado no quarto ouvindo Led Zeppelin, Stones e as bandas de rock progressivo. Trocávamos discos e íamos à busca de novas bandas, lendo a versão brasileira da revista Rolling Stone. Ele me apresentou ao rock, pois até então me limitava a jogar futebol, como goleiro do infanto-juvenil do 29 de Maio e colecionar figurinhas de times de futebol.
Um dia, na casa do Geraldo eu o conheci e, enquanto o seguia com o olhar, vinha-me aos ouvidos os primeiros acordes de Black Dog, do Led Zeppelin, que ele me ensinou a ouvir e sentir.
Em seguida lembrei-me do Ge, Chico e Maurício. Há anos não falava com eles – exceto Maurício que volta e meia encontrava em Antonina – e pouco me lembrava do som que ouvíamos no quarto da casa da avó do Ge. Ele era quem eu mais conhecia, pois crescemos juntos e jogávamos bola no Campo do Flaminguinho. Ge era como Edson: tinha talento para as artes, desenhava bem, era culto e gostava de ir à busca de novidades musicais. Foi ele quem mais nos mostrou o caminho do rock, através dos discos do Led Zeppelin, Black Sabbath, David Bowie e Rolling Stones. Conheci Chico e Maurício nas mesmas condições de Edson: ouvindo som na casa do Ge. Chico era uma espécie de mau elemento e minha mãe não gostava dele por conta de seu passado recente de “bandidagem”. Mas eu não me importava, pois Chico tinha a incumbência de nos tirar do tédio por conta da sonolência capelista. Tinha um excelente relacionamento com algumas figuras grotescas de Antonina, e sempre inventava alguma maluquice para fazermos, como por exemplo, lançar morteiros pelas ruas de Antonina. Chegou a andar com Nininho Inxó - um especialista em subterfúgios alucinógenos que provocavam caganeira -, e com algumas figuras da Turma do Litro - grupo que vivia no mercado esperando os botecos abrirem para receberam a primeira dádiva do dia. Tinha um gosto particular pelas coisas mundanas. Vivia na zona, mendigando uma puta velha e um copo de cerveja. Muitas vezes ele conseguia de graça alguma cama, graças à sua simpatia e bom papo.
Maurício era mais na dele e vivia com a avó, no Hotel Miralba, onde volta e meia sodomizávamos as "namoradas" ao som de Pink Floyd e Yes: bandas preferidas do Maurício. Tinha um velho acordeom, do qual tirava alguns acordes experimentais que serviram como base para algumas composições próprias. Foi ele que nos incentivou a montar uma banda de rock e a compor algumas canções. Aceitamos de imediato e os primeiros ensaios foram no quarto do Ge, onde havia uma radiola velha que servia como amplificador para a guitarra. Maurício levou seu velho acordeom, Ge amplificou sua guitarra, enquanto eu, com duas baquetas nas mãos, me preparava para fazer da poltrona do quarto do Ge a minha bateria.

8 comentários:

Edson Negromonte disse...

Poxa, Luiz, quantas lembranças de um tempo bom em que estávamos ocnstruindo o mundo a partir das nossas próprias experiências. Abração!

Márcia disse...

Luiz,

Mais um texto ótimo de se ler! Parabéns!

TOKADARTE disse...

Grande Luiz, só você mesmo para lembrar daquele tempo.
Muito bom.

Fortunato disse...

Chitãozinho e Xororó em começo de carreira...bricadeiras à parte, belo texto Luis e que belas memórias.

Amigos do Jekiti disse...

Natinho,
Essa foto foi em 75, época em que a gente usava patcholi e ia no Primavera, Literário e Operário
abraço

Amigos do Jekiti disse...

Maurício,]
Muita coisa ainda está fervilhando na minha e na tua memória
abraço

Fortunato disse...

Esqueceu do Conhaque Palhinha!

Amigos do Jekiti disse...

E do Counturrê, que fedia pra cacete!

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento

O JEKITI NOS ANOS 60 - foto do amigo Eduardo Nascimento