Fazia trinta anos que eu não falava com Edson. Encontrei-o no Jekiti e entre um café e outro falamos de nossa vida atual, sem sequer lamber o passado. Ele me disse que se tornara artista plástico e escritor e morava em Judiaí, onde tinha um pequeno sebo de livros e discos. Havia se separado há alguns anos e chegou a pensar em voltar para Antonina para se recuperar, mas depois, pesando os prós e os contras, anteviu-se enchendo a cara e apodrecendo nas esquinas, e desistiu. Refugiou-se por uns tempos na casa dos pais, em Resende, onde se reergueu e descobriu a região de Visconde de Mauá, na Serra da Mantiqueira: lugar paradisíaco, na divisa dos estados do Rio Janeiro e Minas Gerais, onde se entregou, por um ano, ao far niente. Quando retornou a Jundiaí, dedicou-se à pintura e literatura: escreveu dois livros infantis e realizou algumas exposições em galerias de São Paulo.
Conversamos aproximadamente por meia hora e depois que Edson partiu, minha memória foi extremamente generosa comigo. Em convulsões, arranquei de mim todo o passado, e o segui bem de perto, enquanto uma balada antiga soava em meus ouvidos.
Não sei o que Edson queria resgatar em Antonina, só sei que ele era ansioso para descobrir o mundo e se envolver com ele. Seus quadros eram quixotescos, surreais, intensos, como se ele encharcasse a tela com o próprio sangue. Eu vivia na casa dele, trancado no quarto ouvindo Led Zeppelin, Stones e as bandas de rock progressivo. Trocávamos discos e íamos à busca de novas bandas, lendo a versão brasileira da revista Rolling Stone. Ele me apresentou ao rock, pois até então me limitava a jogar futebol, como goleiro do infanto-juvenil do 29 de Maio e colecionar figurinhas de times de futebol.
Um dia, na casa do Geraldo eu o conheci e, enquanto o seguia com o olhar, vinha-me aos ouvidos os primeiros acordes de Black Dog, do Led Zeppelin, que ele me ensinou a ouvir e sentir.
Em seguida lembrei-me do Ge, Chico e Maurício. Há anos não falava com eles – exceto Maurício que volta e meia encontrava em Antonina – e pouco me lembrava do som que ouvíamos no quarto da casa da avó do Ge. Ele era quem eu mais conhecia, pois crescemos juntos e jogávamos bola no Campo do Flaminguinho. Ge era como Edson: tinha talento para as artes, desenhava bem, era culto e gostava de ir à busca de novidades musicais. Foi ele quem mais nos mostrou o caminho do rock, através dos discos do Led Zeppelin, Black Sabbath, David Bowie e Rolling Stones. Conheci Chico e Maurício nas mesmas condições de Edson: ouvindo som na casa do Ge. Chico era uma espécie de mau elemento e minha mãe não gostava dele por conta de seu passado recente de “bandidagem”. Mas eu não me importava, pois Chico tinha a incumbência de nos tirar do tédio por conta da sonolência capelista. Tinha um excelente relacionamento com algumas figuras grotescas de Antonina, e sempre inventava alguma maluquice para fazermos, como por exemplo, lançar morteiros pelas ruas de Antonina. Chegou a andar com Nininho Inxó - um especialista em subterfúgios alucinógenos que provocavam caganeira -, e com algumas figuras da Turma do Litro - grupo que vivia no mercado esperando os botecos abrirem para receberam a primeira dádiva do dia. Tinha um gosto particular pelas coisas mundanas. Vivia na zona, mendigando uma puta velha e um copo de cerveja. Muitas vezes ele conseguia de graça alguma cama, graças à sua simpatia e bom papo.
Maurício era mais na dele e vivia com a avó, no Hotel Miralba, onde volta e meia sodomizávamos as "namoradas" ao som de Pink Floyd e Yes: bandas preferidas do Maurício. Tinha um velho acordeom, do qual tirava alguns acordes experimentais que serviram como base para algumas composições próprias. Foi ele que nos incentivou a montar uma banda de rock e a compor algumas canções. Aceitamos de imediato e os primeiros ensaios foram no quarto do Ge, onde havia uma radiola velha que servia como amplificador para a guitarra. Maurício levou seu velho acordeom, Ge amplificou sua guitarra, enquanto eu, com duas baquetas nas mãos, me preparava para fazer da poltrona do quarto do Ge a minha bateria.
8 comentários:
Poxa, Luiz, quantas lembranças de um tempo bom em que estávamos ocnstruindo o mundo a partir das nossas próprias experiências. Abração!
Luiz,
Mais um texto ótimo de se ler! Parabéns!
Grande Luiz, só você mesmo para lembrar daquele tempo.
Muito bom.
Chitãozinho e Xororó em começo de carreira...bricadeiras à parte, belo texto Luis e que belas memórias.
Natinho,
Essa foto foi em 75, época em que a gente usava patcholi e ia no Primavera, Literário e Operário
abraço
Maurício,]
Muita coisa ainda está fervilhando na minha e na tua memória
abraço
Esqueceu do Conhaque Palhinha!
E do Counturrê, que fedia pra cacete!
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